Um vento forte sopra, tocando com os seus dedos húmidos e frios, os nossos rostos expectantes. Entramos no monumental edifício da Alfândega do Porto, divididos em pequenos grupos. Sinto-me outra vez menina e aluna, transformada em Alice no País das Maravilhas do Corpo Humano. Entramos num local amplo, onde as vozes ressoam, como numa imensa catedral gótica. Os ecos transmitem espanto e emoção. Tal como Alice, sinto-me, ao longo da visita, umas vezes gigante, outras, minúscula. Gigante, diante daqueles seres tão pequenos, tão despidos e tão frágeis, que um leve toque deitaria por terra. Minúscula, diante da parafernália de ossos, músculos, órgãos, nervos, tendões que compõem aqueles pequenos seres. Ali está Ele! O nosso Corpo, imensamente humano, aquele de que somos feitos, por dentro e por fora, o que desprezamos, o que, devido ao desconhecimento que temos dele, todos os dias, maltratamos e ignoramos. Ali está Ele! Exposto, às postas. Os sentimentos que me acompanham, ao longo da minha deambulação, por aquela floresta de corpos, são deslumbramento e um infinito respeito por todos aqueles pequenos seres, alguns de pé, como deuses num pedestal, de olhos postiços e esbugalhados, olhando em frente, como quem olha para muito longe, para além do que os nossos olhos vêem. Para além daquelas paredes frias… Seria preciso empoleirarmo-nos num banquito, para olhar de frente aqueles olhos de vidro e imaginar expressão, sentimentos, naqueles rostos sem pele. No entanto, olhamos de baixo, como quem olha para um espelho alto. Vemos apenas o reflexo da nossa infinita nudez; do que somos feitos por dentro e por fora. Despidos, delicados, frágeis e complexos.
E sempre as mesmas perguntas a “martelar” na cabeça:”Quem são?”, “Quem foram?”… Sim, porque naqueles corpos, em tempos, houve vida, agora são como uma casa vazia, mas foram uma casa habitada por tudo aquilo que é próprio do Ser Humano: tristeza, alegria, medo, angústia, desejo, desespero… Não consigo deixar de me perguntar de onde vêm, que idade têm, que nome teriam?
Depois dos corpos, dos órgãos, alguns sãos, outros doentes, viajo, Alice gigante, pelos frascos, onde “ flutuam “, estáticos, num líquido misterioso, fetos de cabeça grande e transparente, e logo me vem à memória o maravilhoso E.T de Steven Spielberg. A seguir, um corpo deitado, cortado às postas, metido num “sarcófago” de vidro, exposto de tal forma, que mais parece um holograma criado num qualquer programa futurista de computador. Uma visão de ficção científica! Volto a sentir-me Alice, ao olhar para o relógio e me lembrar que, tal como o coelho, tenho que sair apressadamente daquele local, para apanhar um autocarro. Abandonar a realidade e voltar à irrealidade que é o mundo lá fora…
Estefânia Dias Surreira
Para o S7, com carinho.